sábado, 31 de março de 2012

AUTO-ESTIMA NÃO É VAIDADE

 

 

Costumamos usar uma série de palavras com o intuito de descrever certas sensações de bem-estar e de prazer que buscamos insistentemente. Falamos em auto-estima, orgulho, amor-próprio, honra e vaidade sem nos darmos conta de que nem sempre correspondem ao mesmo processo íntimo.
A auto-estima corresponde a uma sensação íntima de bem-estar relacionada com termos sido capazes de executar alguma tarefa à qual nos propusemos. Por exemplo, se decidirmos que iremos acordar todo dia às 6h para fazer uma hora de ginástica e, de fato, assim procedermos, o resultado será uma enorme satisfação interior. O mesmo vale para quem se propõe a estudar alguma coisa, perder peso, etc. O assunto é irrelevante. O que conta é a pessoa determinar para si uma tarefa e conseguir realiza-la.

Auto-estima tem a ver consigo mesmo. É estar feliz com o próprio desempenho.

A vaidade é totalmente diferente. Depende de observadores externos, pessoas que nos aplaudam e nos admirem. A gratificação da vaidade depende de sermos capazes de nos destacar.

A partir da adolescência, esse ingrediente da nossa sexualidade se tona muito importante. Se, durante a infância, queremos ser iguais aos nossos amiguinhos, a partir da puberdade, desejamos ser especiais e únicos para atrair os olhares que excitam.

Um rapaz, por exemplo, poderá ganhar um carro muito bonito e menos comum. Isso despertará olhares de admiração por parte das moças, além da inveja dos rapazes – o que sempre tem a ver com admiração. A vaidade do rapaz poderá se satisfazer muito com esses olhares e ele irá se sentir especial e importante dirigindo aquele carro. A vaidade estará gratificada e a auto-estima rebaixada, uma vez que intimamente ele sabe que os méritos não podem ser creditados a si mesmo e sim ao carro ou ao pai, que com seu esforço o comprou.

É evidente que existem condições nas quais a auto-estima e a vaidade caminham na mesma direção. Se eu escrevo este artigo e fico satisfeito com ele, minha auto-estima cresce. Ao ser publicado, se os leitores o aplaudirem, isso fará muito bem à minha vaidade. Nesse caso, o reconhecimento externo aumenta ainda mais a minha auto-estima. Porém, se não gostar do que escrevi, não haverá aplauso no mundo que irá me fazer bem de verdade.

A vaidade faz parte do nosso arsenal instintivo, de modo que jamais irá desaparecer de nossa psicologia. Não tenho nada contra este tipo de prazer, desde que as pessoas não se iludam e lhe atribuam uma importância indevida. O que interessa mesmo é a auto-estima, que depende de uma avaliação interna, na qual nós mesmos nos sentimos satisfeitos com nosso comportamento.

Vaidade depende apenas do mundo das aparências, ao passo que a auto-estima depende da nossa essência. E aqui não existe a possibilidade de engano, pois podemos iludir os outros, mas não a nós mesmos.

 

Dr. Flávio Gikovate é médico psiquiatra, diretor do Instituto de Psicoterapia de São Paulo, autor de diversos livros, entre eles, Homem, o sexo frágil? Sexo e Amor para Jovens e Uma nova visão do Amor.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Não Sabemos Lidar com Divergências


Flávio Gikovate - Julho/2000


Uma das contradições mais graves que carregamos é esta: gostamos de ser únicos e originais, mas esperamos que todos pensem como nós e até que sintam o que sentimos. Nossa imagem de liberais e democratas vai por água abaixo assim que enfrentamos uma opinião divergente sobre os temas mais banais – um filme que amamos ou uma música que detestamos. De futebol à religião, expressamos essa intolerância: queremos que as pessoas não só creiam no mesmo deus, mas que o concebam da mesma forma. Do ângulo da razão, desconfiamos dos que se mostram diferentes, de todos aqueles com quem não nos identificamos e das coisas que não compreendemos. Do ponto de vista emocional, não toleramos as diferenças porque nos fazem sentir sozinhos, desamparados.
Uma simples divergência sobre um assunto irrelevante pode causar a separação de duas pessoas, especialmente se elas acreditam sinceramente nos seus pontos de vista e têm a convicção de que estão certas. As relações só sobrevivem quando percebemos o lado rico dessa convivência com pensamentos diversificados. Todo mundo se diz tolerante e compreensivo em relação a posições divergentes, mas na verdade são poucos os que não se sentem de alguma forma ofendidos pelas diferenças. E elas são a raiz dos preconceitos, que não passam de generalizações precipitadas e negativas que brotam com facilidade em nossa alma. Talvez nenhum de nós esteja livre – e consciente – da condição de preconceituoso.
Quando nos referimos de maneira irônica ou humilhante àquela pessoa cuja diferença nos incomoda, revelamos nosso preconceito – seja racial, religioso, social, político ou intelectual. Esta reação de aparente desprezo, na verdade, encobre o que realmente o alimenta: a inveja. Usamos esse disfarce sempre que nos julgamos inferiores. Nossa tendência arraigada de atribuir valor às pessoas e de compará-las nos leva inevitavelmente a julgar umas melhores do que as outras. Nem sequer cogitamos a hipótese de que sejam apenas diferentes. Como consideramos nossa própria escala de valores, tampouco estamos dispostos a entender o outro ou os critérios dele – o que implicaria em reavaliar os nossos. Enquanto insistirmos em pensar desse modo equivocado, continuaremos a cometer os erros de sempre: orgulho, quando julgamos nosso modo de ser invejável; inveja, quando ocorre o inverso.
Esse eterno círculo vicioso provoca desdobramentos gravíssimos. O maior exemplo é o da guerra entre os sexos. Homens e mulheres têm diferenças marcantes – da anatomia à maneira de pensar. Desde que os homens se declararam superiores às mulheres a partir da sua escala de valores, eles gastam uma enorme energia tentando provar a inferioridade delas – o que não seria necessário caso estivessem, mesmo, convictos de sua supremacia. As lutas femininas em defesa da tese igualitária não diminuíram nossa dificuldade de pensar com liberdade, sem a urgência de avaliar quem é maior ou melhor. As mulheres não são inferiores nem iguais aos homens. São diferentes. E, como já vimos, diferenças não precisam gerar reflexões amarradas a juízos de valor, que rendem veredictos hierárquicos. Precisam apenas ser respeitadas.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Juventude: A utopia da onipotência

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Flávio Gikovate - Fevereiro/1992
- Para derrotar o medo, alguns jovens acreditam ser imunes a qualquer perigo. Vestem a couraça da onipotência e põem em risco seu futuro e sua vida. Até que um dia descobrem porque não são “imortais”. 
A adolescência é uma fase extremamente difícil da vida. Talvez a mais difícil. Temos que nos comportar como adultos sem dispor de cacife para isso. Temos que ser fortes e independentes quando ainda nos sentimos inseguros e sem autonomia de vôo. Temos que mostrar autoconfiança sexual, mesmo sendo totalmente inexperientes. Temos que formar um juízo a nosso respeito – se possível positivo –, mas nos falta a vivência para aprofundar o autoconhecimento. Enfim, temos que ser ousados e corajosos, embora a cada passo surja o medo para nos inibir.
O que fazer? Frente a tantas incertezas, acabamos seguindo os modelos sugeridos pela própria cultura. Passamos a imitar nossos heróis, “travestindo-nos” de super-homens e de mulheres maravilha. Assim, encobrimos nossas dúvidas e inseguranças. Elas que sejam reprimidas e enviadas para o porão do inconsciente. Nós seremos os fortes e destemidos, para nós nada de errado ou ruim irá acontecer. Construímos uma imagem de perfeição, de criaturas especiais, particularmente abençoadas pelos deuses. Resultado: nos sentimos onipotentes e, a partir daí, não há coisa no mundo que possa nos aterrorizar, uma vez que estamos revestidos de proteções extraordinárias.
Este “estado de graça” irá perdurar por um tempo variável. É um período bastante complicado para as pessoas que convivem com o jovem, pois ele sabe tudo, faz tudo melhor, acha todo o mundo “alienado” e “burro”. Só ele é competente e sábio. No entanto, para o próprio jovem, a frase parece muito positiva. Ele, finalmente, se sente bem, forte, seguro e não tem medo de experimentar situações novas. Pode montar o cavalo mais selvagem com a certeza absoluta de que não cairá em hipótese alguma. Mais tarde, quando não for mais tão ousado e confiante, se lembrará dessa época da vida como a mais feliz. Afinal de contas, a sensação de euforia é sempre inesquecível.
Na verdade, ninguém teria nada contra a onipotência, se ela correspondesse à realidade. Porém, não é isso que os fatos nos ensinam. Sabemos que, entre os jovens, são exatamente os mais confiantes aqueles que se envolvem em todo tipo de acidentes graves, quando não fatais. São estes jovens que dirigem seus carros na estrada, durante a madrugada, com o “pé na tábua”. Não sentem medo porque “é óbvio que os pneus não irão estourar” e “é lógico que não irão adormecer ao volante”. São estes jovens que saem de uma festa e, alcoolizados, vão a toda a velocidade para a praia. Sua “imortalidade” só é desmentida por um acidente fatal. Aliás, para ser sincero, parece incrível que não ocorra um maior número de acidentes.
Alguns jovens, onipotentes e filhos diletos dos deuses, andam de motocicleta sem capacete. Desafiam a chuva e o asfalto molhado, depois de usar tóxicos ou ingerir álcool. Fazem curvas superperigosas. Não se intimidam porque “para eles nada de mal irá acontecer”. E morrem ou ficam paralíticos, interrompendo vidas que poderiam ser ricas e fascinantes. Estes mesmos jovens utilizam drogas em doses elevadas, porque se julgam imunes aos riscos da overdose e suas graves conseqüências. Chegam a compartilhar seringas, ao injetar tóxicos na veia, pois “é claro que não terão AIDS”. E, pela mesma razão, continuam a ter relações sexuais com parceiros desconhecidos, sem sequer tomar o cuidado de usar camisinha.
Aqueles que não morrem ou não ficam gravemente doentes, um dia acordam desse sonho em que flutuavam em “estado de graça”. Acordam porque lhes aconteceu algo: aquele acidente considerado impossível. Caíram do cavalo. Eles também são mortais! Então, tomam consciência de toda a insegurança e de toda a fragilidade que os levaram a construir a falsa armadura da onipotência. Ao se tornarem criaturas normais, sentem-se fracos. Antes era muito melhor. Sim, mas era tudo mentira. Agora, o mundo perdeu as cores vibrantes da fantasia. Vestiu os meios-tons da realidade. Eles não conseguiram domar o cavalo selvagem e foram derrubados no chão. Terão de aprender a cair e se levantar. Terão de aprender a respeitar mais os cavalos! Terão de saber que todas as doenças, todos os acidentes, todas as faltas de sorte poderão persegui-los. E – o que é mais importante – terão de enfrentar com serenidade a plena consciência de que são vulneráveis. Este é um dos ingredientes da maturidade: ter serenidade na viagem da vida, mesmo sabendo que tudo pode nos acontecer.

domingo, 4 de março de 2012

Mulheres Muito Exigentes na Escolha do Parceiro


Flávio Gikovate - Fevereiro/2001
Eis aí um tema que tem de ser abordado com muito cuidado, pois há condições em que uma mulher está, de fato, sendo muito exigente na escolha de um namorado – e, eventualmente, um futuro marido. Acontece que tal exigência pode ser muito justificada, ou estar totalmente em desacordo com a realidade, condição que deixará a mulher frustrada em suas expectativas. E ainda tem mais: talvez seja justo exigir muito de um parceiro, mas isto pode também implicar apenas no desejo de levar vantagem, envolvendo uma mentalidade um tanto oportunista.
Vamos caminhando devagar. Quando uma moça inteligente, esforçada, independente e atraente busca, para si, um rapaz que esteja à sua altura, que também seja portador de peculiaridades similares à sua, não estará, em hipótese alguma, pretendendo demais. Poderá ter dificuldade em encontrar um par adequado – até porque são poucos os homens assim prendados – e não são raras as situações em que alguns familiares dizem a ela, especialmente quando costuma recusar pretendentes que julga inferiores, que agindo dessa maneira acabará ficando sozinha, que é melhor não ser tão exigente e aceitar a corte de um tal moço “que é bom e que gosta dela, mesmo não tendo tantas qualidades”. O que está acontecendo aqui é uma certa aflição, presente em muitos pais e avós até hoje, de que a moça, já estando com uma certa idade – em geral algo como 25 ou 30 anos – ainda não tenha se casado.
Nas condições descritas acima, acredito que a moça faz muito bem em não aceitar menos do que ela acha que merece, em não abaixar suas expectativas – pois não se trata de uma “liquidação”, na qual a “mercadoria” terá de “desencalhar” a qualquer custo. Acontece, porém, que muitas moças acham que merecem muito mais do que, de fato, merecem. E aí ficamos sempre numa situação muito difícil para julgar, pois trata-se de uma avaliação subjetiva.
Quando é essa a situação, é claro que são os pais que têm razão, e a moça deveria se tornar menos pretensiosa e aceitar alguém à sua altura. Como julgar em cada caso concreto? É muito difícil ser categórico, mas acredito, como regra geral, que devemos tentar nos atribuir valores que podemos medir. Por exemplo, uma moça que se acha muito inteligente e disciplinada, mas que não faz nada o dia inteiro deveria se reconhecer mais claramente como preguiçosa; em caso de dúvida, devemos deixar a decisão para os fatos. Até aqui, estamos nos referindo a mulheres que têm de si um determinado juízo e esperam poder encontrar alguém à altura – sendo que umas dão a si mesmas uma nota alta que efetivamente lhes cabe, enquanto outras são um tanto benevolentes consigo mesmas. Existe, porém, um bom número de mulheres que sabem perfeitamente que não valem muito e, mesmo assim, tentam encontrar um homem que, segundo elas, seja muito especial, de bom caráter, bem posto social e financeiramente, amoroso e gentil.
Uso muitas vezes a palavra “valor” por uma razão muito simples: acredito que temos o direito de querer receber o que julgamos estar em condições de oferecer. Ou seja, não tem cabimento continuarmos a pensar no amor como uma mágica incompreensível, como flechadas de Cupido que poderão favorecer algumas pessoas e prejudicar outras. Ainda que seja a aparência, a realidade não é bem assim; ainda existem homens que gostam de se ligar a mulheres consideradas inferiores a eles, mas tal tipo de insegurança masculina tende a desaparecer na atualidade.
Essas mulheres que sabem que não têm para dar o que pretendem receber são, de fato, as que agem de forma muito exigente, mas são plenamente conscientes de suas atitudes: tentam fazer de um eventual relacionamento afetivo um “bom negócio”. Elas serão cada vez menos numerosas, uma vez que os homens também têm evoluído, de modo que pretenderão ter parceiras à sua altura. O tempo é outro e, daqui para a frente, o que vai prevalecer mesmo é caráter e competência, e não apenas esperteza. Isso valerá para tudo, inclusive para os envolvimentos amorosos. Está terminando a época em que muitas pessoas usavam palavras românticas para encobrir claros interesses materiais e de ascensão social.