sábado, 1 de outubro de 2011

SEPARAÇÃO AMOROSA POR FLÁVIO GIKOVATE

O discurso da separação amorosa
            Um dos sentimentos mais comuns depois de uma separação amorosa é a enorme curiosidade em relação ao destino do outro. Mesmo o parceiro que tomou a iniciativa fará de tudo para saber como o abandonado está passando. Esse interesse raras vezes resulta de uma genuí­na solidariedade. Decorre, na maioria dos casos, de uma situação ambivalente que lembra o mecanismo da gangorra. Por um lado, ver o sofrimento de uma pessoa tão íntima nos deixa tristes; por outro, satisfaz a vaidade. Num certo sentido, é gratificante saber que o ex-companheiro vive mal longe de nós e teve prejuízos com a separação. Esse aspecto menos nobre da personalidade humana, infelizmente, cos­tuma predominar.
            Se o outro está se recuperando com rapi­dez, se busca novas companhias, mostran­do-se à vontade na condição de descasado, ficamos surpresos e deprimidos. Percebemos que não somos tão indispensáveis quanto pensávamos. Nosso orgulho, então, é atingido, pois precisamos nos sentir importantes, precisamos saber que nossa ausência provoca dor. Se o outro estiver feliz, duvidamos de nós mesmos e isso é desgastante. "Como é possível que alguém se ajeite na vida mais rapidamente do que eu?", indagamos, e a certeza de que seme­lhante absurdo aconteceu nos deixa tristes. Muitas pessoas confundem essa tristeza com amor. Será que ainda estamos apaixonados? Será que a separação foi precipitada? Pode até ser. Mas o ingredi­ente principal de nossas emoções é a vaidade, o orgulho ferido. Às vezes, procu­ramos disfarçar esse sentimento menos nobre, escondendo-o por trás de uma ines­perada dor de amor. É uma forma de negar pensamentos que não gostaríamos de ter.
            Logicamente o processo é mais acentua­do, pelo menos no início, quando não tomamos a iniciativa da separação. Nesse caso, a "sede de vingança" costuma ser explícita. Torcemos para que o outro só tenha relações afetivas desastrosas. Desejamos até mesmo sua ruína profis­sional. O objetivo dessa atitude é resgatar a auto-estima. O fato de tudo dar errado para o ex-parceiro será a prova definitiva da influência positiva que exercíamos em sua vida. Sua felicidade, ao contrário, nos diminuirá. É como se, a partir da sepa­ração, fosse necessário encontrar o culpa­do pelo fracasso do relacionamento.
            No entanto, esse mecanismo de com­paração também é forte naqueles que decidiram se separar porque se apai­xonaram por outra pessoa. Aí, entra em jogo outro tipo de vingança. Se alguém se sentiu, ao longo dos anos em comum, agredido, humilhado, rejeitado, agora é o momento de inverter a situação e sem ne­nhum esforço: apenas esperando que o destino faça justiça e o opressor se trans­forme em oprimido.
            Não adianta pensar que nunca teremos pensamentos tão mesquinhos. Todos nós, em certas circunstâncias, estamos sujeitos a emoções que consideramos negativas e indignas. Elas se misturam com as mais nobres e formam uma amálgama extrema­mente complexa. Amor, orgulho ferido, desejo de vingança... É difícil avaliar o peso de cada um desses ingredientes. Aliás, a diversificação de sentimentos também está presente durante a vida conjugal, quando um dos parceiros se recusa a agradar o outro apenas para não se sentir subjugado e diminuído. A rejeição sexual, por exemplo, pode ser vingada com a humilhação financeira ou vice-versa. Na hora do divórcio, todos esses processos se exacerbam. Eles geram a gangorra: quando a auto-estima de um sobe, desce a do outro. Não basta ser feliz; é preciso que o outro não o seja. A gangorra pode perdurar por vários anos e até mesmo pela vida toda.



Nenhum comentário:

Postar um comentário