sábado, 19 de maio de 2012

Sexo e política por Flávio Gikovate

 

Ao longo dos primeiros anos da chamada revolução sexual (1960 em diante) havia uma idéia clara de que a emancipação da sexualidade implicaria numa diminuição da competitividade entre as pessoas que, por isso mesmo, se tornariam mais doces e amistosas. Isto determinaria um clima social de cumplicidade e companheirismo ao invés das tensões próprias do capitalismo e da sociedade de consumo que estava nascendo. O resultado é mais que conhecido: o livre exercício da sexualidade, especialmente do exibicionismo feminino, provocou efeito exatamente oposto. Ou seja, os homens ficaram extremamente sensibilizados e estimulados pelo fato das moças se mostrarem mais atraentes e disponíveis para o sexo e partiram para uma disputa brutal para conseguirem o sucesso necessário para serem os eleitos das mais belas.
A busca por sucesso, fama e fortuna se agravou e o capitalismo competitivo e consumista se estabeleceu de uma forma plena. As moças passaram a se preocupar mais ainda com a aparência física – mesmo aquelas também empenhadas em desenvolver atividade profissional e independência econômica – e os homens, depois da luta por sucesso material, também têm se empenhado em aparecer como belos aos olhos das mulheres. O mundo se tornou mais do que nunca aristocrático, onde beleza e riqueza (prendas raras) são os ingredientes mais valiosos.
Na verdade, a única novidade mesmo é a preocupação masculina com a aparência física. Sim, porque a história da humanidade tem sido esta. Os homens buscam o destaque e o poder para poderem se apresentar e serem recebidos sexualmente pelas mulheres mais belas e atraentes, que são as mais cobiçadas por quase todos. As mulheres menos belas se sentem tristes, assim como os homens menos ricos. Estes fazem parte da imensa maioria da população e parece gastarem a vida sonhando com o dia – ou com a hipótese quase mágica – em que poderão fazer parte daquela elite que teria tudo o que se pode pretender desta vida. A mim me entristece ver de forma assim clara e um tanto banal as razões que levaram estas elites a criarem organizações sociais brutalmente desniveladas, onde a desigualdade impera. A tristeza é maior ainda quando percebo que a maioria da população, aquela composta pelos excluídos, apóia e compactua com estes pontos de vista. Ou seja, acham legal a injustiça e a desigualdade social derivarem de prendas inatas, especialmente a beleza física feminina. Acham legal que a beleza física valha mais que as virtudes de caráter. Enquanto pensarem assim é claro que o mundo continuará a caminhar na mesma direção que tem caminhado e tudo leva a crer que irá nos levar, em poucos anos, para o abismo.
Uma conclusão importante que podemos extrair destas últimas décadas é a seguinte: os autores que relacionaram a sexualidade com a política (Marcuse, Reich, Foucault entre outros) tinham razão. A forma como vivemos nossa sexualidade em uma dada sociedade não é, em absoluto, inofensiva. Não há ingenuidade em relação ao tema. Uma prática sexual que estimule o jogo de sedução e conquista, que valorize beleza e riqueza (propriedades aristocráticas) estará gerando uma população de infelizes e frustrados. Eles poderão continuar sonhando com o dia em que serão incluídos no clube dos privilegiados, mas poderão agir de outra forma. Imaginem se as mulheres, de repente, passarem a valorizar mais os moços bons, gentis, delicados e atenciosos com elas, parceiros e cúmplices (com gosto em ouvir sobre suas vidas ao invés de só gostarem de falar de si e de suas glórias). Isso teria um potencial revolucionário extraordinário, pois os homens, como sabemos, querem mesmo é fazer sucesso com as mulheres. Se elas passarem a valorizar propriedades mais dignas no lugar dos corpos sarados e muito dinheiro no bolso (independente da sua origem) estariam promovendo uma revolução moral, social, econômica e política!
Muitos pensadores contemporâneos vêm desenvolvendo esta idéia. Ou seja, pensam muito seriamente no fato de que se algo de muito relevante e revolucionário pode vir a acontecer nos próximos tempos deveremos sua introdução às mulheres. Elas detêm um poder social, econômico e político crescente. Elas são a maioria na maior parte das universidades. Elas poderão repetir os procedimentos masculinos ou contribuir de forma radical para que possamos voltar a sonhar com sociedades mais justas. O fato delas estarem desenvolvendo condições de auto-suficiência econômica criará condições para que as escolhas sentimentais possam ser menos voltadas para os tradicionais interesses materiais e mais relacionadas com a presença de um parceiro carinhoso e respeitoso. Se isto acontecer, estaremos no início de um novo mundo.
Acho também que para isso poder acontecer temos que superar o mais depressa possível esta fase em que a sexualidade desvinculada de relacionamentos representativos está fazendo a cabeça de um grande número de moças e rapazes, como se estivessem se lambuzando no melado (nunca houve tamanha facilidade nesta área como agora). Quanto a isso não me preocupo muito porque penso mesmo que se trata de uma fase e que os próprios rapazes cada vez mais estarão interessados mesmo é em relacionamentos mais estáveis, duradouros e nos quais se poderão construir bases para uma intimidade mais profunda e que tanto nos gratifica e aconchega.

Nenhum comentário:

Postar um comentário